Carro novo feito no Brasil já chega defasado e expõe nosso atraso
No cenário global da indústria automotiva, o Brasil é o que se pode chamar de
ilha, com muitos veículos ultrapassados ou, pior, falsamente atualizados. Alguns
têm verniz moderno, mas baixo conteúdo tecnológico. São os chamados "carros
projetados para países emergentes", um eufemismo para produtos de segunda linha,
que consumidores de nações desenvolvidas deixaram de comprar há mais de 20
anos.
A engenharia automotiva brasileira se orgulha de ser a mais experiente e
competente entre as nações industriais emergentes. Contudo, existe nessa visão
certo ufanismo que joga uma cortina de fumaça sobre o atraso tecnológico desse
importante setor industrial no Brasil, que aqui produz os piores veículos mais
caros do mundo, com projetos defasados ou carros que existem só aqui e nas
vizinhanças -- e por falta de qualidade não podem ser exportados aos países
desenvolvidos.
O QUE É QUE O BRASIL TEM
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Sedã emergente, Chevrolet Cobalt tem envelhecido e ineficiente motor 1.8 de
apenas 108 cavalos, enquanto o global Cruze tem 1.8 de 144 cv.
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Global de verdade, Toyota Corolla feito em Indaiatuba (SP) é o mais bem
vendido automóvel mundial feito no país (ocupa a 13ª posição). Mas também é caro
graças ao uso de peças importadas, como o motor japonês.
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Civic segue o exemplo do Corolla: custa acima de R$ 65 mil e ocupa faixa
limitada de mercado.
Uma rápida análise dos veículos vendidos no país mostra o tamanho do atraso.
Levando em conta os 50 automóveis e 20 comerciais leves mais emplacados este ano
-- 70 no total --, temos 48 que podem ser considerados projetos atualizados,
sendo que 14 são importados (inclusive da Argentina e México, sem pagar imposto
de importação). Dos 34 restantes fabricados no Brasil, 18 só servem para
mercados emergentes (os de segunda linha) e boa parte só é vendida em países da
América do Sul. Sobram, portanto, apenas 16 carros globais feitos aqui; e mesmo
assim com grande conteúdo importado.
Os produtos globais são também os mais caros entre os carros fabricados no
Brasil: todos custam acima de R$ 65 mil e ocupam faixa limitada de mercado, com
vendas abaixo de 5 mil unidades/mês. É o caso, por exemplo, do Toyota Corolla
feito em Indaiatuba (SP), o mais bem vendido automóvel global feito no país, que
tem motor importado do Japão e ocupa a 13ª posição no ranking nacional de
emplacamentos. Depois dele, na 15ª posição, está o Honda Civic montado em Sumaré
(SP), onde a fábrica quase parou no ano passado por falta de peças de
fornecedores japoneses afetados pelo
terremoto.
SUBPRODUTOS
No momento, vive-se uma fase
de transição, na qual se espera a chegada de vários novos projetos ditos
"globais" e atualizados. O problema é a qualidade dessa globalização. Pelo que
se vê até agora, existem duas globalizações em curso: uma de primeira linha, com
grande inclusão de novas tecnologias, para os países desenvolvidos; e outra de
segunda linha, para consumidores de menor poder aquisitivo, com exclusões
tecnológicas. As montadoras dividiram o mundo dessa forma e o Brasil está no
segundo caso.
Como o mercado brasileiro está protegido das importações por altos impostos e
a legislação brasileira de emissões e segurança não exige grandes avanços, o que
chega de novo, para ser feito em fábricas nacionais são projetos globais de
segunda linha, que parecem condenar o cliente brasileiro a consumir carros
inferiores quando se compara produtos similares vendidos aqui e no mundo
desenvolvido.
Bom exemplo disso é o recém-lançado EcoSport, que aqui a Ford diz ser o
primeiro projeto global liderado pela engenharia brasileira. Trata-se de outra
peça ufanista, pois o EcoSport só é global para a parte menos abonada do
planeta, já que na Europa e América do Norte nenhum consumidor sabe que ele
existe. Para esses mercados, o marketing da Ford diz que o SUV compacto global
da marca se chama Kuga, ou Escape nos Estados Unidos.
Outro exemplo recente de produto global de segunda linha é o Etios que a
poderosa Toyota começou a fabricar em Sorocaba (SP): tem acabamento tão pobre
que faz um Volkswagen Gol parecer carro de rico.
Alguns motores usados aqui também ilustram o atraso brasileiro: recentemente a General Motors
equipou o sedã emergente Chevrolet Cobalt com um envelhecido e ineficiente motor
1.8 de apenas 108 cavalos, enquanto alguns 1.6 já são mais potentes. Para o
global Cruze, a mesma GM traz da Alemanha outro motor 1.8, de 144 cavalos.
Se nada for feito, o Brasil automotivo caminha para uma perigosa
"desglobalização" tecnológica. Em tempos de debates sobre uma nova política
industrial para o setor, na qual o governo garante que exigirá maior evolução
tecnológica da indústria em troca de benefícios fiscais, seria o caso de
perguntar que tipo de desenvolvimento queremos, global ou subglobal. Sem aperto
na legislação de emissões e segurança, em conjunto com significativa desoneração
fiscal, continuaremos a projetar modernas carroças subdesenvolvidas
http://carros.uol.com.br/noticias/redacao/2012/08/31/carro-novo-feito-no-brasil-ja-chega-defasado-e-expoe-nosso-atraso.htm